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O Marketing do Café Revisitado: 25 anos da Revolução da Qualidade

  • Foto do escritor: Paulo Henrique Leme
    Paulo Henrique Leme
  • 24 de abr.
  • 8 min de leitura

Prof. Paulo Henrique Leme.                                                 E-mail: paulo.leme@ufla.br
Prof. Paulo Henrique Leme. E-mail: paulo.leme@ufla.br

Os marcos de transformação do marketing no café

 

Em 1999, o Brasil sediou a primeira edição do Cup of Excellence (CoE) (1), um concurso que se tornaria um divisor de águas na história da cafeicultura nacional e global. Mais do que uma competição, o CoE introduziu protocolos de avaliação sensorial e transparência que redefiniram os parâmetros de qualidade no setor cafeeiro. Esse marco não apenas elevou o padrão dos cafés brasileiros, mas também posicionou o país como um dos protagonistas no mercado de cafés especiais.Ao longo das últimas duas décadas e meia, o CoE desempenhou um papel crucial na transformação da cadeia produtiva do café. Seus protocolos e práticas influenciaram diretamente os processos de produção, as tendências de consumo e as dinâmicas de mercado, tanto no Brasil quanto internacionalmente. A padronização das avaliações sensoriais e a valorização da origem dos grãos fomentaram uma cultura de excelência e inovação, incentivando produtores a investir em qualidade e sustentabilidade. Desde então, os concursos de qualidade proliferaram em todas as regiões do Brasil.Nesse mesmo período, novas práticas de marketing desempenharam um papel central na consolidação do mercado de cafés especiais. A construção de narrativas em torno da origem, da história dos produtores e das características sensoriais dos grãos permitiu transformar o café de um produto massificado em uma experiência cultural e simbólica de consumo.


A partir dos anos 2000, surgiram diversas marcas de cafés especiais. Construídas por diversos atores, de produtores e baristas apaixonados pelo café. Estratégias como storytelling de fazenda, branding territorial, educação do consumidor, design de embalagem e a arquitetura das cafeterias de terceira onda contribuíram para criar novos hábitos e rituais de consumo, especialmente entre os consumidores urbanos e jovens.


O marketing também foi decisivo na expansão das cafeterias especializadas, na valorização dos baristas e na formação de comunidades em torno do café como um produto de identidade e pertencimento. Assim, o sucesso do setor não pode ser compreendido apenas pelos avanços técnicos ou agronômicos, mas também pela capacidade de criar valor simbólico e emocional — um diferencial competitivo que reposicionou o Brasil como protagonista na economia global do café de qualidade.Por estes motivos, revisitamos os 25 anos de evolução do marketing do café (arbitrariamente, partindo de 1999), destacando as principais mudanças tecnológicas e mercadológicas que moldaram o setor. A partir do marco inicial do CoE, exploraremos como a busca pela qualidade impulsionou a criação de indicações geográficas, certificações e novas estratégias de mercado. Além disso, analisaremos as oportunidades atuais para investimentos em marketing, governança regional e inovação, fundamentais para consolidar o Brasil como referência global em cafés especiais.


A revolução da qualidade e o surgimento dos cafés especiais

 

A partir de 1999, com o prêmio “The Best of Brazil”, os concursos de qualidade impulsionaram uma nova lógica produtiva na cafeicultura brasileira e mundial. Iniciados pelo saudoso Dr, Ernesto Illy, através do “Prêmio Ernesto Illy de Qualidade Sustentável do Café para Espresso” em 1991, os concursos de qualidade se tornaram ferramenta essencial para a promoção do café e a mudança de comportamento do mercado para com o café brasileiro.

Os protocolos de avaliação sensorial e a premiação de microlotes de excelência criaram incentivos para o investimento em práticas de pós-colheita, novos cultivares e terroirs até então invisibilizados. A definição e difusão do conceito de "cafés especiais" (2) consolidou uma ruptura em relação à lógica tradicional do café como commodity.


Houve uma explosão de novas marcas de cafés torrados, as vezes 100% verticalizadas (do produtor a xícara), e a criação de espaços para os cafés premium e gourmet nas gôndolas dos supermercados. A ABIC criou o “Programa de Qualidade do Café da ABIC” (3), e houve grande expansão do mercado para as monodoses, capitaneada pela Nespresso e outras empresas.Além dos concursos, houve diversas tentativas de iniciar processos de qualificação de origens. Ações muitas vezes dispersas e nada conectadas de marketing de origem, mas que possuem seus méritos. Algumas delas obtiveram bons frutos e levaram ao reconhecimento de marca das Indicações Geográficas. A tentativa era de conectar atributos físicos, humanos e simbólicos pelo reconhecimento de um terroir único. Faltou governança. Porém, algumas ações de promoção de origem permitiram que pequenos e médios produtores participassem de mercados mais exigentes, fomentando o nascimento de uma governança territorial baseada em qualidade, identidade e valor agregado.


Linha do tempo e expansão do mercado global de cafés especiais e diferenciados

 

Em um esforço de coletânea de informações de nossas pesquisas no AgritechUFLA, podemos dizer que a evolução do mercado de cafés especiais pode ser compreendida dentro de um processo dinâmico de transformação do consumo global.

Abaixo, apresentamos alguns marcos relevantes, especialmente para o Brasil:



Tabela1: Linha do tempo e expansão do mercado global de cafés especiais e diferenciados. Fonte: Elaborado pelo autor, 2025.
Tabela1: Linha do tempo e expansão do mercado global de cafés especiais e diferenciados. Fonte: Elaborado pelo autor, 2025.

Atualmente, o consumo de café nunca esteve tão forte. Segundo dados da National Coffee Associaton dos EUA (3) 45% dos adultos americanos consumiram café especial no dia anterior, o que representa um aumento de 80% desde 2011. Pela primeira vez, esse número superou o consumo diário de café tradicional, registrado em 44%.


Esse avanço dos cafés especiais tem sido determinante para o crescimento histórico do consumo de café nos Estados Unidos. Segundo o relatório completo de tendências de primavera de 2024 (NCDT – National Coffee Data Trends), 67% dos adultos nos EUA tomaram café no dia anterior, alcançando o maior índice das últimas duas décadas. Mais da metade dos adultos nos Estados Unidos (57%) consumiram algum tipo de café especial na última semana, representando um crescimento de 7,5% em comparação ao ano anterior.


Além disso, o café pronto para beber (RTD) ganhou destaque e passou a ser o terceiro método de consumo mais utilizado entre os que tomaram café no dia anterior, com sua popularidade saltando de 8% para 15%. Esse avanço fez com que as máquinas de espresso caíssem para a quarta posição no ranking de métodos preferidos.

O consumo de café na China cresceu quase 150% nos últimos 10 anos e a previsão é que atinja 6,3 milhões de sacas de 60 kg na safra 2024/25 segundo o USDA. No mundo todo, o mercado de cafés especiais agrega expectativas de crescimento anuais que variam de 7 a 10% a.a.


O Brasil também acompanha essa tendência, com o consumo interno de cafés premium e microlotes ganhando espaço em cafeterias, e-commerces e assinatura domiciliar. Atualmente o consumo de café no Brasil fica ao redor de 22 milhões de sacas segundo a ABIC.

O aumento da matéria-prima, o café verde, pressiona a indústria. Em 2024, os preços médios das principais categorias de café apresentaram variações significativas. Os cafés especiais registraram um aumento de 9,80%, enquanto os cafés gourmets tiveram alta de 16,17% no período. Já os cafés superiores acumularam elevação de 34,38%, e os cafés tradicionais e extrafortes apresentaram o maior reajuste, com aumento médio de 39,36%. A diferença de preço diminuiu entre o topo e a base da pirâmide.


Adicionalmente, ainda existem grandes desafios para os cafés certificados e sustentáveis. Apesar do notório aumento na produção de cafés certificados e sustentáveis, ainda restam grandes desafios na rastreabilidade e no compliance socioambiental que permeie toda a cadeia de custódia do grão. Algumas das principais certificações de terceira parte fracassaram em suas agendas de governança. Altos custos de auditoria e compliance, misturados com normas fora da realidade e processos custosos afastaram produtores e traders.


Por outro lado, a substituição por normas mais brandas e certificações organizadas pelas próprias empresas criam um efeito de desconfiança sobre os rumos da sustentabilidade. A grande preocupação é com os efeitos das mudanças climáticas.


O consumidor quer seu café especial, orgânico e socialmente justo, mas paga apenas pelos atributos intrínsecos e organolépticos da bebida, apesar de dizer que pagaria prêmios por certificações sustentáveis. A conta, no fim, não fecha, e no fim do dia, fica com os cafeicultores. Precisamos avançar em modelos descentralizados de rastreabilidade com uso de geotecnologias dinâmicas para garantir o atendimento de normas e padrões, com redução de custos no controle e direcionamento dos processos.

 

Oportunidades estratégicas: marketing, inovação, governança e plataformas digitais

 

De forma geral, o futuro do consumo de café continua promissor no mundo. Em diversos relatórios e estudos a perspectiva de aumento do consumo é grande para os próximos 10 anos. Na maior parte das vezes, em forte aceleração em relação ao passo atual (devido ao efeito China?). A pergunta é se vamos ter café o suficiente para esta demanda. A concorrência com outras culturas no Brasil e a forte industrialização no Vietnã podem ser fatores preponderantes, para além dos fatores climáticos que ameaçam a produção.


Para os investimentos em marketing, o atual ciclo de preços altos do café oferece uma janela de oportunidade para investimentos estratégicos que consolidem a posição do Brasil como referência em cafés de qualidade.


Ao invés de abordar cada elo da cadeia, vamos analisar quatro frentes que se destacam:

a) Marketing e diferenciação territorialA valorização da origem deve ser acompanhada de estratégias robustas de posicionamento, identidade visual e comunicação sensorial. O marketing pode conectar produtores a consumidores finais, por meio de narrativas autênticas, rastreabilidade e experiências em cafeterias, feiras e turismo rural. Chegou a hora de agregar fundos financeiros e avançar em estratégias agressivas para posicionar as origens!

b) Inovação e pesquisa aplicada: É necessário direcionar investimentos para novas tecnologias e a digitalização da cafeicultura, desde cultivares adaptados às mudanças climáticas até sistemas de avaliação sensorial, fermentações controladas e automação na produção. A digitalização também deve avançar em sistemas de rastreio, blockchain e plataformas de negociação justa.

c) Governança territorial e institucional: Arranjos Produtivos Locais (APLs), cooperativas e consórcios devem ser fortalecidos como instrumentos de governança regional. A articulação entre setor público, ICTs, associações e setor privado é essencial para garantir escala, coordenação e acesso a mercados premium. O desafio da governança é urgente. Os preços altos são reflexo de uma crise que pode prejudicar todos os elos da cadeia nos próximos anos.

d) Plataformas digitais: As plataformas digitais de venda direta representam uma das frentes mais promissoras da nova lógica de marketing no setor cafeeiro. Marketplaces especializados em microlotes, aplicativos com rastreabilidade integrada e sistemas de e-commerce personalizados permitem que produtores estabeleçam uma relação direta com consumidores finais, valorizando sua marca, história e práticas sustentáveis. Essa desintermediação abre espaço para modelos de negócios mais transparentes, experiências de consumo mais imersivas e maior apropriação de valor na origem, especialmente para pequenos e médios produtores.


Conclusão


O marketing do café, 25 anos após o marco inaugural do Cup of Excellence, revela-se como força estruturante da transformação do setor. Revisitá-lo é compreender que a qualidade não é apenas um atributo sensorial, mas também uma construção coletiva que envolve cultura, território, inovação e valor. O futuro da cafeicultura brasileira passa, necessariamente, por ampliar e consolidar esse movimento.

 

 REFERÊNCIAS


Maciel, G. N., Leme, P. H. M. V., Guimarães, E. R., & Maciel, F. N. (2022). Cup of excellence and the evolution of the Brazilian specialty coffee market: A historical perspective. Coffee Science, 16, e161980. https://doi.org/10.25186/.v16i.1980


Guimarães, E. R., Leme, P. H. M. V., De Rezende, D. C., Pereira, S. P., & Dos Santos, A. C. (2018). The brand new Brazilian specialty coffee market. Journal of Food Products Marketing, 25(1), 49–71. https://doi.org/10.1080/10454446.2018.1478757


Associação Brasileira da Indústria de Café. (2024). Certificações de qualidade. ABIC. Acesso em em 18 de abril de 2025, de https://www.abic.com.br/certificacoes/qualidade/


National Coffee Association USA. (2024, março). Daily coffee consumption at 20-year high, up nearly 40%. Acesso em 18 de abril de 2025, de https://www.ncausa.org/Newsroom/Daily-coffee-consumption-at-20-year-high-up-nearly-40?utm_source=chatgpt.com

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